15 junho 2013

A Química que protege pode ser a mesma que mata

As plantas utilizam inúmeras substâncias químicas para reduzir a
predação por animais, especialmente por insetos. Entretanto, muitos outros
animais, além de serem imunes a elas, acabam por incorporá-las em seu arsenal de defesa, por meio das plantas consumidas na dieta. Essas substâncias, posteriormente, podem ser exsudadas de glândulas especiais, borrifadas ou injetadas, mas também podem estar presentes no sangue ou nos tecidos.

Um recurso alimentar com melhor defesa pode exercer uma pressão
seletiva sobre os consumidores, como insetos, por exemplo. Aqueles que
conseguirem se tornar imunes à toxina passam a ter a vantagem de, além de
poderem consumir a planta, não terem muitos competidores.

Um exemplo é a leguminosa tropical (Dioclea metacarpa), tóxica para
quase todas as espécies de insetos porque contém um aminoácido não proteico, a L-canavanina, que os insetos incorporam em suas proteínas no lugar da Larginina. A diferença entre esses dois aminoácidos é a substituição de um grupo metileno −CH2 na L-arginina por um átomo de oxigênio na L-canavanina (Figura 18).Lembrando que os aminoácidos são as unidades formadoras de proteínas, e como estas têm funções fisiológicas diversas, a alteração da sua estrutura pode afetar as funções vitais de umorganismo, gerando toxicidade.

A semelhança entre as estruturas pode ser fundamental para uma
determinada atividade biológica de um metabólito secundário.


Porém, uma espécie de besouro da família Bruchidae (Caryedes
brasiliensis) desenvolveu uma enzima modificada que distingue a L-canavanina da L-arginina durante a formação de proteína. Além disso, ele possui enzimas adicionais que degradam a L-canavanina, que passa a ser usada também como fonte de nitrogênio. Alguns indivíduos podem deter predadores utilizando substâncias produzidas ou adquiridas através do alimento, ou seja, de presas ingeridas. É o caso de anfíbios.


Exemplo de anfíbio que possuem toxinas

Várias substâncias nocivas e componentes tóxicos já foram identificados na
pele de anfíbios e muitos deles são usados para defesa química. Os compostos conhecidos são de quatro grupos: aminas biogênicas, peptídeos, bufadienolidos e alcaloides. As aminas biogênicas incluem serotonina, epinefrinas e dopaminas, que afetam as funções normais do sistema nervoso e vascular (Figura abaixo). Esses compostos são derivados de aminoácidos e produzidos normalmente por animais. Os peptídeos compreendem compostos tais como a bradicinina, que modifica as funções cardíacas. Os bufadienolidos e os alcaloides, citados anteriormente, afetam o transporte celular normal e o metabolismo, além de serem sempre muito tóxicos.

 Aminas biogênicas tóxicas, produzidas por animais e
que afetam predadores
.

Alguns anfíbios, com sua pele glandular, produzem metabólitos que
podem provocar desde uma irritação no predador até mesmo levá-lo à morte. As glândulas granulares podem estar distribuídas no dorso ou se concentrar em alguma região específica do animal. Os sapos bufonídeos concentram uma classe de compostos esteroidais – os bufadienolidos - nas glândulas paratoides,localizadas lateralmente na cabeça, e tão logo a presa é colocada na boca, a substância é secretada (Figura abaixo). Essa classe de substâncias é proveniente do metabolismo que envolve o colesterol, um esteroide precursor de várias substâncias.


 



Estrutura química do bufadienolido, um produto do tipo esteroidal,
produzido por sapos bufonídeos. Um bufonídeo (Rhinella schneideri) com
glândulas paratóides.

Muitas substâncias químicas que ocorrem na pele de anfíbios parecem ser
provenientes de artrópodes ingeridos durante a alimentação, particularmente as formigas. Anfíbios de muitas famílias, especializados em comer formigas, produzem alguns dos compostos mais tóxicos.

É importante lembrar que os anfíbios não possuem mecanismos para
expelir o veneno à distância, muito menos para injetá-lo. O veneno é liberado da pele ao entrar em contato com o predador, normalmente quando pressionado na sua boca. O mito de que sapos possuem urina venenosa e que são capazes de lançá-la a grandes distâncias é um erro comum. Isso se deve a um dos mecanismos de defesa dos anfíbios, que é o de esvaziar a bexiga quando capturado, como forma de assustar o predador.

Especula-se que as substâncias provenientes das glândulas presentes nas
peles dos anfíbios tenham, ou já tiveram, originalmente, outras funções, como atuar na comunicação com outros indivíduos, demarcar território, atrair parceiros,reduzir a perda de água através da pele e prevenir contra agentes infecciosos como fungos, vírus ou bactérias.


Fonte:Emery ,et al. A Química na Natureza, 2010.

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